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sábado, junho 03, 2006

OS PROFESSORES E AS TECNOLOGIAS NA ESCOLA:LIMITES E PERSPECTIVAS DA INOVAÇÃO


Isabel Maria Sabino de Farias ( Universidade Estadual do Ceará (UECE) – E-mail: beia@fortalnet.com.br)

RESUMO:

Este trabalho aborda uma dimensão importante das políticas educacionais na escola: a introdução de artefatos tecnológicos,mais especificamente de computadores, e sua utilização no âmbito da prática pedagógica docente. Discute a idéia de inovação e sua articulação com a mudança educacional na perspectiva de melhora
do ensino como elemento conceitual significativo à compreensão dos limites e perspectivas dessa tecnologia na escola.
Destaca o trabalho intelectual e emocional que o uso da tecnologia computador exige do professor. A reflexão apóia-se na análise de resultados recente de investigação2 realizada junto 32 professores da rede pública
de ensino (municipal e estadual) em Fortaleza, Ceará.

PALAVRAS-CHAVE: inovação – tecnologia – mudança na educação.


1. TECNOLOGIA NA ESCOLA: A INOVAÇÃO E AS POSSIBILIDADES DE MUDANÇA

Polissêmicos, plurais e complexos são os termos inovação e mudança. Tal situação remete a algumas indagações: estas noções
referem-se ao mesmo processo? Quando se pode falar em mudança? Mudança implica melhoria? Pode haver mudança sem
inovação ou inovação sem mudança? Asrespostas a essas interrogações não se encontram de imediato, pois inovação e
mudança são temas que se aproximam e, ao mesmo tempo, se distanciam, formando uma rede de significados.
A maioria dos estudos sobre inovação sublinha a idéia de ‘novo’, reconhecendo-a omo um aspecto referenciador de sua
definição (Navarro, 2000; Fullan, 1991; Havelock e Huberman, 1980). Todavia, este entendimento não parte da premissa de que
uma inovação implica, necessariamente, algo original, de ‘primeira mão’, numa invenção.


Muitas vezes o ‘novo’ pode estar na introdução de algo que já tem uso corrente noutro lugar. As inovações são novas ou
originais no lugar em que elas são incorporadas. Esta é a condição básica para se produzir uma inovação: incorporar algo
que até então não fazia parte da unidade de referência, alterando-a.
A expectativa de modificação, de mudança, põe em relevo um traço fundamental em uma inovação educacional: a intencionalidade. A decisão de adotar uma inovação não ocorre despretensiosamente, sem um interesse, seja ele explícito ou não. Uma ação inovadora responde a determinadas intenções e se faz guiada por fins específicos. Toda inovação
tem a pretensão de suscitar mudanças, esse é seu fim último.

A inovação educacional é intencionalmente deliberada e conduzida com a finalidade de incorporar algo novo que resulte em melhoria no âmbito da instituição escolar, em suas estruturas e processos, visando ao êxito de sua função social. Esta racterística possibilita sinalizar em favor de uma concepçãomultidimensional da inovação educativa, cuja concepção pressupõe que “o que constitui uma inovação não pode ser considerado de um único ponto de vista ou focalizado em um só aspecto”. É
necessário articular processo e intenção (Hernández, 1998:28).

Esta concepção, ao mesmo tempo que reconhece os vínculos ideológicos e políticos de uma iniciativa, também destaca
suas implicações no âmbito da prática. Ela parte do pressuposto de que é preciso considerar que um sistema, uma instituição,
é constituído por pessoas, por sujeitos individuais e coletivos, com subjetividade própria e que atuam em contextos
normatizados. Esses atores, a partir da mobilização de capacidades cognitivas e afetivas diversas, se relacionam com as
inovações e constroem respostas para enfrentar as demandas emergentes, as quais têm um significado, imprimindo ‘um’
sentido à mudança projetada.
É esta resposta de natureza criativa e cognitiva, produzida mediante a interação dos atores com a inovação, que dá sentido
à mudança, seja numa perspectiva de melhora, seja numa perspectiva de piora. Toda inovação, independentemente de sua
fonte e natureza, é motivada por valores, sejam daqueles que a promovem, sejam daqueles que a vivenciam em seu cotidiano.


Isto explica por que uma inovação, recorrendo às palavras de Hernández (1998), não tem o mesmo significado para
quem a promove, para quem a coordena, para quem a põe em prática ou para quem recebe seus efeitos.
A mudança, por sua vez, faz parte da relação do homem com o mundo embora muitas pessoas se escusem de vivenciá-la
pois ela implica riscos, tem um custo. Desde que o homem nasce, ele convive com a necessidade e a possibilidade da mudança
que é, ao mesmo tempo, um convite e uma exigência de sua condição histórica e social enquanto ser da práxis (Vázquez, 1990). Amudança é engendrada lentamente. Trata-se de um processo e não de um fato (Fullan, 1991), processo lento e gradual nas
mais das vezes. Toda mudança é fonte de sentimentos ambivalentes ao situar o indivíduo diante do dilema de manter o
status quo ou mudar. Mudar o quê? Mudar a visão que orienta o modo de agir, de pensar e de interagir com as coisas ao seu
redor e com os outros.

Tal compreensão da mudança implica percebê-la como um processo que vai além das condutas mecânicas nas situações
de interação social; além da simples alteração da rotina, da introdução de um novo artefato tecnológico (computador,
fac-símile etc.), ou mesmo da reorganização das relações hierárquicas num dado contexto institucional. A mudança não se restringe a critérios administrativos sobre a forma como as coisas devem funcionar e o que pode ser feito para que elas funcionem melhor. Este enfoque técnico da mudança, claramente reducionista, apóia-se na crença de que a
finalidade das relações sociais é algo externo ao sujeito, carecendo apenas de maior eficiência. Priorizam-se variáveis individuais ou próprias das organizações, questionando como podem elas se tornar mais eficientes para atingir os objetivos ou
as finalidades.

Este modo de compreender a mudança subtrai o “conhecimento” das “considerações situacionais de tempo e
espaço que são uma parte das condições sociais” mediante uma “abordagem positivista que focaliza o específico e o
individual e, como resultado, perde de vista os fatores sociais e históricos do presente” (Popkewitz, 1997:26).
Esta perspectiva de mudança entende ser possível definir modelos universais como estratégias distintas e específicas para
regular a aquisição do conhecimento e a atividade humana. Em educação, esta visão implica na formulação de modelos
pedagógicos padronizados com mecanismos que permitam controlar a “aquisição do conhecimento e a prática
escolar”. Isto significa que a simples aplicação de modelos prévios às situações de ensino e a sua utilização pelo professor expressa um sinal de mudança, uma evidência da melhoria da qualidade (ibidem, p.25).

A mudança é aqui percebida como uma organização, historicamente neutra, do pensamento e do comportamento dos professores no contexto da instituição. Trata-se, neste caso, de mudanças epidérmicas, superficiais, que ndicam sintomas de modernização mas não de mudança. “Muda-se o formato e nada mais” (Sebarroja, 2002:16). A mudança vai além de uma dimensão técnica do processo. Reclama, também e principalmente, uma dimensão humana, política e ética por parte dos sujeitos nela envolvidos. Ela pressupõe uma ruptura por dentro, libertando-se das amarras com o estabelecido e redefinindo o modo
de pensar e de agir.
A mudança como ressignificação da prática é um processo demorado, delicado e sensível, quecompreende as interações consensuais e conflituosas que perpassam as relações internas e externas da organização. Isto porque pressupõe que as justificativas que levam o sujeito à ação sejam alteradas, implicando mudanças alicerçadas em razões intrínsecas, em novos valores e crenças.

O inventário feito até aqui permite perceber alguns matizes da interface entre mudança e inovação. Como realça Rosa (1998:19), “mudar é muito mais do queinovar”. Muitas inovações se operam sem que se altere o essencial. Inovação e mudança não dizem respeito a um mesmo processo, embora estejam, de algum modo, imbricados. A idéia de mudança não tem sentido único. Noutras palavras, significa dizer que nem sempre uma udança é para melhor (Glatter, 1995; Sebarroja, 2002; Fullan, 1991; Navarro, 2000). A mudança como ressignificação da prática implica alterações progressivas no âmbito das práticas e dos referenciais que a orientam. Todavia, é possível realizar alterações epidérmicas, superficiais, que não modificam o conteúdo das práticas.
Não é raro ouvir depoimentos de profissionais que afirmam haver ocorrido mudanças em seu ambiente de trabalho (mais equipamentos, funcionários com qualificação, nova diretoria etc.) sem que isso tenha se traduzido em melhorias efetivas nas relações de trabalho (processo decisório centralizado, clima institucional de competição, fragmentação das ações...).
Isto significa que a mudança pode ou não significar progresso, pode significar piora em vez de melhora.
Assim, se é possível mudar sem melhorar, o inverso não parece tão verdadeiro. Melhoria apresenta-se, pois, como um termo carregado de conotações valorativas, sinalizando “a passagem de um estado anterior, considerado menos desejável, para um posterior considerado mais atraente em função de fins especificados” (Ferretti, 1980:56-57).

A idéia de melhoria vincula-se ao sistema de valores dos atores envolvidos no processo, ou seja, está referenciada “ou aos fins que o objetivo se propõe ou aos fins que o grupo social mais inclusivo propõe para o mesmo”. São estes fins, conforme esclarece Ferretti, que servem de parâmetro para “aquilatar da significância da mudança que venha a se operar num determinado objeto” (ibidem). Assim, no campo da inovação, a mudança como práxis é apenas uma intenção, uma possibilidade, uma oportunidade. Trata-se, portanto, de uma ação intransferível, pois somente os sujeitos implicados e interessados podem
efetivamente concretizar a mudança em sua prática. Isto porque o sentido da mudança é tributário de uma lógica que articula tanto a cultura dos atores sociais quanto as relações sociais em que estão envolvidos, ambas mediatizadas pelas interações cognitivas e afetivas que as tornam coerentes e significativas. Como diz Fullan (1991), “a mudança em educação depende do que os professores fazem e pensam”, isto é, está fortemente vinculada as crenças, valores e sentido prático já interiorizados e
constituintes de sua cultura profissional.

As considerações feitas sinalizam que não é suficiente introduzir inovações na escola, a exemplo de artefatos tecnológicos
como o computador e o acesso on line via internet. Para que estes recursos possam servir de instrumento propulsor de
melhoria da prática pedagógica escolar é fundamental que os professores o conheçam, saibam utilizá-lo, compreendam
suas potencialidades e limitações no processo ensino-aprendizagem.



2. O QUE SABEM OS PROFESSORES PESQUISADOS SOBRE COMPUTADORES

As marcas de cada lugar são construções feitas por pessoas, pois a escola não é algo inerte. O que dá vida e voz aos
espaços sociais são as pessoas e suas interações, o modo como se relacionam, os pensamentos, as normas, as práticas
vividas que, pouco a pouco, quase que imperceptivelmente, vão compondo as cenas do seu cotidiano. Enfim, os
acontecimentos que configuram a vida escolar, e por conseguinte, desenham sua cara, são produzidos a partir de múltiplos
fatores intervenientes nesse contexto.

É o que lembra Hargreaves (2002), quando realça que os professores também são criações de seu local de trabalho, isto é,
produto das condições, relações e normas que tecem, constrangem e impulsionam sua atividade. É preciso considerar esse
aspecto quando se olha para o professor, pois ele não sai ileso dessa interação. Os docentes, como quaisquer outras
pessoas, têm uma história própria, sonhos, raízes, encantos e desencantos, pois vivem o seu tempo, atuam em lugares
determinados e em condições concretas.É na ciranda da vida cotidiana – pessoal e profissional – que eles se produzem e
reproduzem, organizando o mundo à sua volta. Por isso, importa perguntar: quem são os professores investigados? O que
sabem sobre o computador? Que tipo de acesso tem a essa tecnologia? Um grupo feminino, este é um perfil que se confirma entre os 32 docentes envolvidos na pesquisa, a exemplo de outros levantamentos sobre o tema (Brasil/MEC/Inep, 1999; Codo, 1999).

Por outro lado, é possível constatar que a presença masculina, concentrada na etapa final do ensino fundamental, emerge anunciando uma tendência que se projeta para os próximos anos. Vale dizer que, em estudo recente sobre os professores da educação básica no Estado, Vieira (2002:07) também sinaliza nesta direção ao realçar que “quanto mais distante do início da pirâmide da seriação escolar (...) mais forte a tendência de haver hibridismo no gênero”.
Ao falarem de sua vida cultural, boa parte dos professores destaca o uso de revistas como uma das fontes de acesso à
informação. O cinema também foi mencionado com uma freqüência significativa. Vários professores disseram já terem ido ao teatro: “eu já fui ao teatro, a última vez foi em 1996 (...) é caro mas eu gosto de teatro” (P-T5); “eu fui quando eu era mais nova, mais agora as condições não permitem. (P-M2); “Adoro teatro. Estou louca pra ir a apresentação do Juca de Oliveira no Teatro José de Alencar, mas o problema são as finanças (...)” (P-G2). Ao revelarem que ‘já foram’ ao teatro, estes professores apontam como maior dificuldade sua condição econômica.

Por outro lado, os docentes também falam de uma certa acomodação, desinteresse e até mesmo apatia em relação a este tipo de expressão artístico-cultural. Tal situação indica a necessidade de incentivos e de valorização dessa e de outras manifestações culturais, considerando que estes professores residem em um pólo cultural rico e diversificado.
Quanto ao acesso dos professores ao computador, 17 docentes disseram não ter acesso ao computador, caracterizando este
contato como algo pouco expressivo. Eles sabem que o computador existe, o veêm na escola mas não dispõem de acesso,
quer pela localização e quantidade dos mesmos (via de regra apenas um e situado na secretaria ou sala da direção) quer por
não saberem utilizá-lo. Apenas cinco declararam que têm curiosidade e estão aprendendo, decisão custeada com
recursos próprios. Os demais não demonstraram preocupação com o fato de não deterem conhecimento sobre tal
artefato tecnológico, embora reconheçam que ele faz, cada vez mais, parte dos instrumentos presentes nos diversos
contextos de trabalho.

Reconhecem sua importância no contexto social e econômico atual mas não sinalizaram que estão dispostos a investir por conta própria nessa dimensão de sua formação. Dos 15 docentes que afirmaram dispor desta máquina em casa, apenas
dez disseram saber utilizá-la. A aquisição desse saber foi motivada tanto por oportunidades institucionais (como cursos
que realizaram através da escola) quanto por cursos de curta e média duração efetuados por empresas especializadas na
área de informática. Aqueles que não sabem utilizar registram: “mas eu sinto necessidade disso”, “eu sei que é preciso”,
“eu sou muito acomodada”. Importa registrar que as razões que levaram tais docentes a adquirirem um computador são
de cunho pessoal, uma demanda colocada pelos filhos. Nesse sentido, também é oportuno dizer que a maior parte da prole
dos professores pesquisados, conforme informações dadas pelos mesmos, sabe usar o computador. Há uma preocupação
em assegurar aos filhos um saber que consideram imprescindível para sua inserção social na contemporaneidade.

Considerando os relatos dos professores, é possível dizer que a aproximação do professor com a tecnologia da informação, em especial com o computador, tem sido motivada principalmente por um interesse pessoal e pelo reconhecimento de sua importância no cenário contemporâneo. As condições presentes nas quatro escolas pesquisadas e o investimento individual que vem sendo feito, revelam um esforço de boa parte dos professores no sentido de incorporarem conhecimentos relacionados à tecnologia da informação ao seu repertório de saber. Esta busca recebe pouco apoio institucional, do que se
ressentem os docentes investigados.

Cabe chamar atenção, ainda, para um fato: os professores pesquisados vivem na capital do Estado do Ceará, pólo cultural
de grande diversidade. Entretanto, seu acesso às oportunidades culturais, de entretenimento de conhecimento e as novas
tecnologias ainda é bastante restrito. Artefatos como computadores, internet, softwares, assim como expressões do tipo
tempo virtual, espaço on line e navegar, não parecem constituir o cotidiano desses sujeitos, embora eles não o desconheçam.
Em um contexto social movido pelo conhecimento e no qual a produção cultural e tecnológica é cada vez mais progressiva e diversificada, este é um aspecto que merece cuidado, porquanto o professor é um profissional que lida diretamente com a formação dos saberes. As transformações emergentes têm trazido alterações profundas nos modos de produção, nas formas de experiência e nos padrões de identidade. Jovens, adultos e crianças se deparam cada vez mais com um mundo virtual, dominado pela imagem, onde o consumismo compulsivo e o apego à vivência da cotidianidade ensejam novos padrões de comportamento e valores, formando novas identidades.

Assim, com o desenvolvimento e disponibilidade de fontes de informação opcionais à escola, não é mais possível ser professor como há trinta ou vinte anos: única fonte de informação, de conhecimento, de saber (Esteves, 1991). Os alunos hoje convivem com outras fontes de informação – televisão, computador, internet, o que exige do professor outra postura diante dessas fontes, dos alunos e do conhecimento. As reflexões feitas até aqui remetem a uma outra indagação: como o
computador vem sendo utilizado pelos professores na escola? Qual a repercussão desse uso em sua prática profissional?

3. O USO DOS COMPUTADORES: MANIFESTAÇÕES NA PRÁTICA PEDAGÓGICA

Ao olhar para a prática pedagógica dos professores pesquisados foram identificados movimentos distintos de mudança e conservação na cultura docente em relação ao uso de tecnologias como o computador. Tal movimento emerge nas falas dos entrevistados ao falarem sobre a utilização de recursos didáticos em sala de aula. Dos quatro contextos investigados – aqui identificados como Escola Trevo, Mandacaru, Girassol e Coqueiro – apenas em um foi observado um certo cuidado com o emprego de materiais diversos como estratégia de motivar e facilitar a aprendizagem discente. Os relatos dos docentes da Escola Trevo (rede estadual) revelam que a preocupação com a utilização de recursos didáticos em sala de aula é fruto das capacitações realizadas a partir da introdução dos ciclos neste estabelecimento de ensino.

Destacam sua contribuição na compreensão dos conteúdos, principalmente na área de matemática. Boa parte dos professores disse saber usar os materiais disponíveis na escola, entre eles o computador, aprendizado identificado como um ganho tanto para a instituição quanto para eles.

A utilização do computador na gestão das atividades curriculares permite perceber o esforço intelectual e emocional que vem
sendo feito pelos professores no sentido de utilizar esta tecnologia como uma ferramenta pedagógica. Esta prática,
embora tímida, se sobressai considerando sua completa ausência nas escolas municipais pesquisadas (Coqueiro e Girassol),
parecendo algo visionário, utópico, mesmo nas unidades onde começam a ser instaladas várias máquinas, como é o caso da Escola Mandacaru (rede estadual). Cabe registrar que a Escola Trevo possui uma sala climatizada com várias máquinas
e dispõe de alguns softwares sobre temas diversos do currículo. Os docentes desta escola percebem a introdução do
computador como positiva diante do reconhecimento de que a escola é, para a maioria dos educandos, provavelmente o
único espaço cultural em que este contato é possível. Nas ocasiões em que visitei a escola, acompanhei sua utilização por alunos e professores algumas vezes.

Ao relatarem suas experiências com o uso da sala de informática da escola, as professoras explicitam as razões que as
levaram a utilizá-la. Apresento a seguir alguns fragmentos que, embora longos, merecem ser conferidos:
“Na primeira vez que eu levei foi pra mostrar... porque a gente precisa mostrar, não que sabe tudo mas que já
sabe. Eles (os alunos) cobram. Levei. Sabiam até mais do que eu (...) Uma professora de português me deu um
CD pra trabalhar com os alunos, como só tem um computador com CD, pois não é implantado em todos, a gente
tem que levar poucos alunos. A gente fez uma roda, fez algumas atividades sobre dígrafos, separação de sílabas. A
gente viu isso, foi interessante” (P-T2).
“Já, levei porque eles são loucos para irem (...) Eu nem sabia mexer na impressora
ainda (...) Acho importante levar ao menos para eles verem o computador, para ligar, desligar, onde são as teclas, conhecer como entrar num programa.

Eles não têm outra oportunidade, é só essa da escola” (P-T7). “Eu já levei. Eu até nem sabia mas pedi para uma colega me ensinar como utilizar um software que tem aqui na área de geografia pra eu poder levar eles. Eu fiquei assim, sem saber: eu
levo? Será que eu aprendo? Eu levei porque eles estavam loucos para ir para os computadores. Fui com medo mas fui. Achei uma experiência ótima, muito bom (...) Na semana santa já foi para os pequenos. Eles amaram. Precisa ver: eles não têm medo do
computador” (P-T5). “Já levei, eles pedem muito. Por exemplo, na 7ª série eu estou dando sistema respiratório (...) As vezes eu levo para eles digitarem trabalhos. Nunca usei com eles foi a Internet porque eu esqueço de perguntar a senha à pessoa da secretaria que sabe. E também não é fácil” (P-T8). Os depoimentos mostram o esforço intelectual e emocional que vem sendo feito pelos professores frente ao desafio colocado pela prática profissional em relação ao uso do computador no processo ensino-aprendizagem. Inovações pedagógicas que afetam diretamente o trabalho docente em sala de aula reclamam
atividades complexas e não lineares.

Diante do desconhecido, de situações de ensino diferentes daquelas até então experimentadas, os professores sentem
necessidade de se inteirar acerca delas. Nesse sentido, pode-se dizer que o trabalho intelectual dos professores em relação à
mudança se manifesta nas decisões que eles precisam tomar para definir suas posições, bem como nos empreendimentos a serem realizados para operacionalizá-la; envolve a aquisição de conhecimento e capacidade de análise crítica e decodificação da política em termos práticos para a sala de aula. É o aprendizado resultante desse trabalho intelectual que lhe permitirá assumir uma atitude emancipatória mas não demissionário em relação à mudança nas práticas pedagógicas.
O caráter emocional do trabalho da mudança faz referência ao movimento psicológico – de conotação agradável ou
penosa – que acompanha as múltiplas relações do professor no âmbito da escola: quando julga o comportamento de um
aluno ou infere sobre seu envolvimento ou não nas atividades curriculares; quando motiva ou desestimula o engajamento dos
colegas; quando valoriza ou não possibilidades novas de trabalho; quando assume riscos frente a desafios, a exemplo
do uso do computador.

Compreende, portanto, as diferentes maneiras como o professor mobiliza suas energias emocionais, seus sentimentos e seu esforço psicológico para relacionar-se com os alunos, com os colegas, com os pais e demais componentes da escola tendo em
vista promover a ação educativa em que se encontra empenhado. O trabalho emocional realizado pelo professor é tributário de sua condição de mediador do desenvolvimento social, cultural e emocional do aluno no âmbito escolar.
É bem verdade que a utilização do computador como ferramenta pedagógica pelos professores da Escola Trevo ainda
acontece de modo eventual, faltando uma articulação maior com as atividades curriculares. Todavia, estes docentes
consideram importante que os alunos usem, de alguma forma, o computador. A cobrança destes em relação ao uso desta
ferramenta os tem motivado a aprender a utilizá-la e a usar o ambiente da sala de informática. Eles vêm descobrindo, de
modo lento e precário que esta pode ser uma estratégia interessante para fomentar e despertar o interesse pelo estudo.
Eles sentem a necessidade de dominar o computador e de o empregar como uma ferramenta no desenvolvimento dos alunos.
Sentem dificuldades, têm pouco apoio institucional que promova situações de capacitação e orientação, visando à realização
de atividades que articulem esta ferramenta com os saberes curriculares que trabalham em sala de aula. Mas eles, em sua maioria, estão dispostos a encarar o desafio de aprender, passo fundamental para que a tecnologia da informação possa, de fato, compor o cenário pedagógico escolar e chegar até o aluno de forma adequada.

Como é possível perceber, mudanças no âmbito pedagógico do processo educativo escolar solicitam um trabalho
árduo dos professores, o qual se situa para além das alterações didático-metodológicas de natureza meramente técnica. Isto significa que mudar requer aprendizagem e é intelectual e emocionalmente exigente (Hargreaves, 2002). Contudo, não se
aprende por osmose ou por decreto. Também não se pode atribuir única e exclusivamente ao professor a
responsabilidade de construir este aprendizado. Trata-se de um aprendizado exigente individual e coletivamente, que
reclama tempo, esforço concentrado, dedicação e apoio institucional; aprendizado que mobiliza também um investimento
considerável de energia emocional.

Nesse sentido, repensar políticas educacionais que têm priorizado fluxos constantes de inovações externamente
induzidas, torna-se um imperativo. Não é suficiente equipar materialmente as escolas. É preciso cuidar do material humano, de
sua formação continuada como estratégia de política prioritária para que a incorporação de tecnologias como o computador possa, de fato, ser um contributo a educação. Do contrário, a mudança na prática escolar na perspectiva de melhora tende a constituir-se numa retórica do discurso político sedutor.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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Extraido completamente do site da Associação Brasileira de Tecnologia Educacional.

http://www.abt-br.org.br/index.php?option=com_remository&Itemid=30 Extraido em 3 junho de 2006